sábado, 22 de agosto de 2009

Resenha do Livro: O mundo é plano


No livro “O mundo é plano: uma breve história do século XXI”, da Editora Objetiva (471p),Thomas Friedman descreve como o processo de globalização se desenvolveu ao longo da história e quais as características dessa evolução. Nele o autor conclui que o mundo está se tornando cada vez mais plano – uma alusão à redução das distâncias ocasionada pelo aumento da velocidade das comunicações – devido aos avanços tecnológicos advindos da ampliação da globalização atual que tem reduzido diferenças e distâncias entre povos.
Friedman afirma que houve um investimento maciço global em tecnologia a partir dos anos 90, quando se ampliaram as instalações de conectividade em banda larga combinado com uma contínua redução nos preços dos computadores. Esses elementos atuaram como fatores de convergência, que aproximaram povos distantes e aceleraram o efeito de planificação do mundo.
A idéia de um mundo plano contém o aspecto positivo de maior intercâmbio de conhecimento, mas possui o lado negativo ao favorecer também a expansão do terrorismo. Na visão de Friedman, ele se aproveitou desse processo e, explorando antigas tensões existentes entre alguns povos, espalhou ódio e terror.
Ele divide o processo de globalização em três etapas: a primeira, corresponde ao período dos descobrimentos iniciados em 1492 e vai até 1800, com o predomínio do uso da força pelos países; a segunda etapa compreende o período de 1800 a 2000 (sendo interrompido pela Grande Depressão de 1929 e pelas duas guerras mundiais), caracterizando-se pela expansão das multinacionais; a terceira, inicia-se em 2000 até os dias de hoje.
A etapa atual do processo de globalização se caracteriza pela transferência de atividades consideradas inferiores na cadeia de valor para outros países, como por exemplo, a Índia, a China e o México. Esse movimento é conhecido como offshoring e segue a lógica dos mercados de buscar a realização do trabalho onde ele puder ser feito de forma mais eficaz, eficiente e ao menor custo. Essa tendência revela que as relações de trabalho no mundo plano estão em transformação.
Uma outra importante característica atual do trabalho é a transferência das estações de trabalho para o lar. Segundo o autor, cerca de 16 % da força de trabalho nos EUA, desenvolve suas atividades profissionais em casa. Este tipo de trabalho vem sendo denominado de homesourcing e caracteriza a tendência à busca permanente de redução dos custos e aumento da eficácia por parte das empresas. Friedman acredita que essas transformações nas relações de trabalho também atingem o âmbito militar. Ele relata uma visita ao acampamento da 24ª Força Expedicionária de Fuzileiros Navais dos EUA, próximo a Faluja, no Iraque, em 2004, onde pôde verificar os efeitos do mundo plano nas operações militares.
Naquela ocasião o autor presenciou uma ação militar empregando um Predator (VANT - Veículo Aéreo Não Tripulado) que transmitia as imagens do local em sistema de videoconferência enquanto oficiais de operações, nos EUA, debatiam por chat como as forças deveriam ser empregadas em solo iraquiano. Uma importante constatação a que chegou Friedman é que no mundo plano a quantidade de informações disponíveis tende a aproximar os escalões da hierarquia militar.
Thomas Friedman identifica 10 forças no impulso da transformação mundial na terceira etapa da globalização: a queda do muro de Berlim (09/11/1989); a entrada das ações da empresa Netscape no pregão da bolsa de valores de Nova York (09/08/1995) (marco da importância econômica da Internet); o desenvolvimento de softwares de fluxo de trabalho interoperáveis, permitindo o intercâmbio de informações entre sistemas e a integração do trabalho nas organizações; o uso de programas de código aberto (softwares compartilhados que não possuem exclusividade no direito de uso); a terceirização de serviços usando a Internet; a ampliação das atividades de offshoring; o aprimoramento e a consistência das cadeias de fornecimento; a internalização ou insourcing (uma nova forma de colaboração e criação horizontal de valor que nivela pequenas empresas); a ampliação da oferta de informações pelas ferramentas de localização na internet como o “Google”; as novas tecnologias wireless e o Voice Over Internet Protocol (VOIP) que amplificam e potencializam todas as demais forças transformadoras, pela facilidade que introduzem nas comunicações que empregam a internet.

A TRIPLA CONVERGÊNCIA
Segundo Friedman a convergência de três fatores fundamentais orienta o desenvolvimento econômico e social do novo mundo plano. A primeira refere-se à combinação de softwares e hardwares de fluxo de trabalho, que viabilizam a participação em tempo real via web do trabalho de pessoas independente dos limites geográficos.
A segunda diz respeito à formação de uma massa crítica de gerentes, consultores, formadores, especialistas em TI, executivos e demais profissionais familiarizados e capazes de desenvolver processos e práticas empresariais para criação de valores e hábitos no novo mundo plano. A terceira ocorre por efeito das 10 forças de transformação da globalização que propiciou a entrada em cena de cerca de 3 bilhões de pessoas de países como a China, Índia, Rússia, Leste da Europa, América Latina e Ásia, até então alijadas do processo devido às estruturas políticas e econômicas anteriormente existentes.
Friedman afirma que a tripla convergência levará as sociedades modernas à revisão dos seguintes aspectos: a forma de preparação dos indivíduos para o trabalho; a forma de competição entre as empresas; as organizações econômicas dos países e suas considerações geopolíticas; políticas sociais; conceitos de exploração econômica; perda de identidade nacional das empresas; conceito de Estado-nação; o surgimento de empresas globais.
Para ele, à medida que o mundo se achata as hierarquias vão sendo niveladas, nos dois sentidos, tanto de baixo para cima quanto de cima para baixo. Esse conceito também se aplica ao campo militar, como relatou o autor em sua experiência de 2004 no Iraque.

OS EUA E O MUNDO PLANO
Thomas Friedman afirma que a terceirização é uma conseqüência das transformações promovidas pela etapa da globalização que vivemos, onde deve prevalecer o livre-comércio, pois mudanças estão continuamente em curso e novos produtos surgem todos os dias. Além disso, os produtos ou serviços diretamente relacionados ao conhecimento tendem a se valorizar, pois são aplicados a um mercado global, enquanto os serviços relacionados basicamente ao trabalho braçal devem sofrer desvalorização, pois são oferecidos a um mercado cada vez mais restrito. Para confirmar essa tendência histórica o autor menciona o trabalho na agricultura norte-americana, que há 150 anos atrás era responsável por 90% do emprego da mão-de-obra e hoje possui um percentual inferior a 4%. No ambiente da moderna economia do conhecimento predomina a especialização e por isso o autor afirma que a vantagem comparativa de países como os EUA é a produção intensiva de bens em conhecimento.
Para Friedman, a China e a Índia não empurram os EUA para baixo, mas para cima, ao estimularem o desenvolvimento de novas tecnologias, novos conhecimentos como forma de superação competitiva. Nesse sentido, o caminho do desenvolvimento econômico dos EUA está em ampliar competências e investir em práticas que permitirão a cada indivíduo norte-americano participar do mercado global.

OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E O MUNDO PLANO
Segundo o autor, países em desenvolvimento deveriam avaliar seu posicionamento diante da realidade do achatamento global para tirar vantagens das novas plataformas. Essa avaliação corresponderia a uma introspecção que indicasse os limites para se entrar no jogo global, combatendo a pobreza pelo crescimento econômico e do comércio.
Para ele as verdadeiras reformas devem atingir quatro aspectos da sociedade: infra-estrutura, instituições reguladoras, educação e cultura. É preciso que haja um crescimento produtivo e competitivo, adequado aos recursos disponíveis em cada país. Nessa lógica as condições básicas para evolução econômica na atualidade podem ser medidas pela facilidade em: iniciar um negócio (quanto a normas, regulamentos e taxas), contratar ou dispensar funcionários, fazer valer contratos, obter crédito e encerrar empresas.
Alguns países apresentam elevado grau de dificuldade nessas atividades, indicando que se afastam das condições favoráveis ao crescimento econômico no mundo plano, tais como: Indonésia, Haiti, Congo, El Salvador, Guatemala, Nigéria, México, Brasil e Venezuela. Outros países demonstram maior grau de adaptação aos novos tempos, ao atenderem essas condições, tais como: Austrália, Dinamarca, Singapura, Holanda, Áustria, Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia e EUA.
Historicamente, observa-se que a relação da riqueza dos países com suas culturas revela a importância da localização e dos recursos naturais. Nesse aspecto, Friedman se refere à internalização de valores como o trabalho árduo, prosperidade, honestidade, paciência e tenacidade, abertura às mudanças tecnológicas e igualdade social, ressaltando a abertura a novas idéias e a internalização cultural pela sociedade como fatores chave para participação adequada em um mundo plano. A conclusão, nesse aspecto é que os povos muçulmanos encontram-se em desvantagem para competirem no mundo plano. Entretanto, ressalva Friedman, isso pode mudar, pois a cultura não é estática.
Além disso, o desenvolvimento econômico no mundo plano está relacionado a elementos intangíveis, que compreendem a disposição e a capacidade de uma sociedade em se unir e se sacrificar em prol do desenvolvimento econômico. Também são necessárias lideranças na sociedade que transmita a correta visão sobre o que precisa ser feito para esse desenvolvimento. A China é um bom exemplo de que a inserção no mundo globalizado é mais uma questão de liderança do que de democracia.
A educação é o esteio desse processo, capaz de promover e sustentar o conjunto de mudanças necessárias ao desenvolvimento com maior rapidez.

AS EMPRESAS E O MUNDO PLANO
As empresas enfrentam o desafio de ajustar-se ao achatamento global, desenvolvendo estratégias que viabilizem o crescimento econômico e as adequem às mudanças. As estratégias que podem atender a esses requisitos são: não construir muralhas, ou seja, agir pró-ativamente, usar a imaginação para criar soluções colaborativas que atendam às necessidades dos clientes; comportar-se como uma grande empresa, ainda que não seja, explorando oportunidades, o que requer rapidez no aproveitamento dos instrumentos de colaboração (cadeias de fornecimento, terceirização e uso intensivo da internet); comportar-se como uma empresa pequena, ainda que não seja, permitindo a seus clientes agirem como grandes, usando principalmente recursos de Internet que facilitem a customização dos produtos oferecidos; buscar as melhores parcerias para levar a efeito os seus negócios, devido a complexidade crescente na criação de valor; manter uma estrutura saudável, fazendo uma auto-avaliação e apresentando os resultados desse esforço nas entregas aos clientes; terceirizar para inovar com rapidez e a custo reduzido a fim de crescer, ganhar fatias de mercado e contratar colaboradores de diferentes especialidades necessários as variadas demandas do mundo plano; efetuar terceirizações que atendam as necessidades dos empresários sociais.

GEOPOLÍTICA E O MUNDO PLANO
Thomas Friedman acredita que a existência da classe média é essencial porque confere estabilidade geopolítica às sociedades, mas adverte que essa classe não é um estado de rendimento e sim um estado de espírito. Nela se incluem as pessoas que acreditam ter um caminho para escapar da pobreza. Quando essa esperança desaparece podem surgir sérios problemas sociais. A falta de uma classe média desenvolvida é um obstáculo ao aplainamento do mundo e cria bolsões de excluídos, como ocorre na África e América do Sul.
Friedman afirma que os movimentos anti-globalização surgiram como uma forma de oposição ao Banco Mundial, ao FMI e ao G8. Esses movimentos ganharam força com a crescente oposição mundial à invasão militar norte-americana no Iraque. A globalização foi associada diretamente aos EUA, incorporando aos seus opositores os anti-americanos. Para o autor, os movimentos anti-globalização encerram hoje uma contradição fundamental ao não reconhecerem que a globalização está diminuindo a pobreza em países como a China e a Índia e também nos países do leste europeu.
De fato essa é uma discussão de como globalizar, uma vez que o processo se mostra como irreversível. Qual o modelo que reúne a melhor combinação de recursos e competências e como os Estados podem contribuir para esse processo que ao final deverá gerar crescimento econômico? Igualmente, Friedman sugere que os movimentos anti-globalização devam orientar-se pelo fundamento que motivou suas iniciativas originais, ou seja, o combate à pobreza de forma eficaz, e não combatendo o crescimento econômico.
Segundo Friedman, as diferenças culturais entre as sociedades geraram sentimentos de antagonismo à globalização e ao que ela representa. Esse tipo de reação ficou característica nos povos árabes e muçulmanos, que não estavam preparados para conviver com as diferenças culturais que a globalização evidenciou. Contribui para essas diferenças o fato de muitos desses povos viverem sob o domínio de governos autoritários que limitam as opções de desenvolvimento humano de dezenas de milhões de jovens muçulmanos. Isso permite afirmar que a globalização facilitou a percepção desses contrastes.
Friedman entende que os fundamentalistas islâmicos, preocupados com as “ameaças” aos seus arraigados valores e crenças, entenderam que atacar a liberdade apregoada pela cultura globalizante seria a melhor maneira de combate. Para isso resolveram minar o requisito fundamental do processo: a confiança. Thomas Friedman sustenta que o recurso ao terrorismo foi adotado como uma tentativa de negar a confiança entre povos e a abertura cultural, impondo limites à expansão da globalização. A dissonância cognitiva exposta pelas diferenças entre as sociedades estimulou um sentimento de humilhação e colocou os fundamentalistas islâmicos diante de um dilema: abandonar sua idolatrada religião ou permanecer na retaguarda do progresso tecnológico atualmente experimentado pela humanidade.
Diante desse indesejável dilema a violência tornou-se uma saída aceitável. Em outras palavras, a frustração e o sentimento de humilhação nutriram o terrorismo para o combate aos valores da globalização materializados nos EUA.
Outro obstáculo geopolítico ao achatamento do mundo é a limitação de recursos naturais e a crescente degradação do meio-ambiente. Há um entendimento de que o planeta não suportaria atender mais 1,3 bilhões de consumidores, correspondentes a China, Índia e países do leste europeu, nas mesmas condições em que vivem os demais países desenvolvidos. Friedman menciona dados do Banco Mundial, segundo os quais a China possui 16 de suas cidades entre as 20 mais poluídas do mundo. A conclusão do autor é a de que as alterações climáticas percebidas pelas sociedades na atualidade podem impor restrições ao processo de desenvolvimento econômico.

A PREVENÇÃO DE CONFLITOS
As cadeias de produção de muitos produtos modernos, como por exemplo, os computadores DELL, envolvem componentes de diversos países, como Coréia do Sul, Filipinas, Malásia, Costa Rica, México, Singapura, Japão, Taiwan e China, além de diversas empresas nos EUA. Essa extensão planetária de cadeia de fornecimento revela um risco sistêmico em caso de guerra. Por outro lado, a dependência externa dos diversos participantes da cadeia também sugere uma influência do mundo plano no equilíbrio geopolítico e nas ameaças clássicas de conflito. Na medida em que os países estreitam seus laços de complementaridade econômica, aumentam também as restrições às possibilidades de guerras contra países vizinhos, o que não significa dizer que as guerras tenham se tornado eventos obsoletos.
Grupos terroristas, como o Al-Qaeda, já perceberam a possibilidade de formarem suas cadeias informais globais de suprimento com fins voltados para causar destruição e mortes. Ou seja, para combater os resultados da globalização os terroristas se utilizam de seus efeitos, como o de permitir que pequenos atuem como grandes e facilitar a comunicação. Nesse sentido, Friedman alerta para que se evite a todo custo que terroristas tenham acesso a artefatos nucleares, o que ampliaria em muito o poder de intimidação do terrorismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura do livro “O Mundo é Plano” torna-se requisito para entender a dinâmica atual do processo de globalização em que vivemos, bem como de seu desenvolvimento histórico. O acelerado desenvolvimento tecnológico dos últimos tempos promoveu o achatamento do mundo, aproximou povos e culturas, evidenciou as diferenças culturais e permitiu que pequenos pensassem e agissem como grandes. Essas transformações estão alterando as relações de trabalho e tornando as hierarquias mais horizontais. Nesse ambiente, identifica-se a tendência dos países desenvolvidos concentrarem seus recursos e competências na produção de conhecimentos para geração de valor, enquanto que os países em desenvolvimento se mantêm na parte inferior da cadeia produtiva até que se adequem às condições necessárias a completa inserção na economia global.
É útil a interpretação do terrorismo como uma forma de reação de povos menos globalizados ao avanço cultural decorrente da planificação do mundo, pois sugere a necessidade de se desenvolver não só as relações comerciais e econômicas entre os povos, mas também as iniciativas de fomento à educação e à aproximação cultural.
Um importante aspecto na análise feita por Friedman refere-se aos desdobramentos geopolíticos das transformações produzidas pela globalização. O autor relaciona a geopolítica aos valores do mundo plano, onde a importância da conformação geográfica e a orientação política são menos importante que na visão clássica, na medida em que identifica a globalização de pessoas e não de Estados. O entendimento de que o terrorismo e a questão ambiental podem frear o processo de globalização parece bastante hodierno e certamente merecerão especial atenção das lideranças políticas para continuidade do crescimento econômico no planeta.
Por fim, Friedman deixa claro o entendimento que se trata de um processo irreversível, sem o qual não se pode imaginar que um país possa crescer autonomamente de forma sustentada na terceira etapa da globalização.

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