O conceito de destruição criativa expressa duas ideias
conflitantes, o que não chega a surpreender, pois Schumpeter era o exemplo
acabado da inteligência capaz de sustentar duas ideias opostas na mente ao
mesmo tempo, e ainda assim manter-se funcional. A adjetivação da Áustria “tecno-romântica”,
onde nasceu, se aplica ao homem.
Ele gostava de se passar por aristocrata, embora fosse originário
da classe média. Como jovem prodígio acadêmico, deixou a geração mais
velha deslumbrada com os livros que escreveu na faixa dos vinte anos. A
partir dos trinta, tornou-se ministro das Finanças da Áustria,
reinventou-se como banqueiro, ganhou fortuna que perdeu com a
quebra do mercado de ações. Depois de retornar à vida acadêmica,
mudou-se para os Estados Unidos, passando a lecionar em Harvard. Teve de fazer
conferências remuneradas para conseguir dinheiro para a viagem transatlântica.
Comportava-se como um homem do mundo e um bon-vivant. Considerava
a autoconfiança como o componente mais valioso da prudência e gostava de
dizer que pretendia tornar-se o maior economista, cavaleiro e amante do
mundo. E vinha, então, a frase de efeito: “as coisas não iam bem com os
cavalos”…
Seu trabalho intelectual se tornou uma verdadeira obsessão, como
frequentemente acontece com homens de gênio. Não raro sustentava não apenas
duas ideias opostas ao mesmo tempo, mas meia dúzia delas. Considerava que Karl
Marx estava profundamente certo em muitas questões, mas errado em outras por
causa de uma ideologia inflexível, aliás tal como John Maynard Keynes, seu
contemporâneo. Diferentemente, ele próprio esperava tornar-se um cientista
social isento de valorações, que se mantivesse puro e livre de vieses
ideológicos em seu trabalho.
Sua própria visão era a profunda tensão analítica derivada do
confronto entre o determinismo, por um lado, e a contingência,
por outro. Quanto mais estudava diferentes sistemas econômicos, mais ele se
convencia das incomparáveis vantagens do capitalismo em matéria de
produtividade e crescimento.
Schumpeter sonhava com o desenvolvimento de uma “Economia exata”,
uma ciência de rigor indisputável, como a Física, com uma capacidade definida
de previsão. Considerava-se capaz de reconciliar os mais depurados modelos
matemáticos de teoria abstrata com dados concretos colhidos no campo histórico
e sociológico. Embora não tenha alcançado essa aspiração romântica, seu
empenho no sentido de resolver os problemas da neutralidade valorativa, da
precisão científica e da fidelidade à experiência histórica rendeu enormes
dividendos em sua análise do capitalismo.
As questões essenciais, envolvendo o capitalismo, enfrentadas por
autores da segunda metade do século XIX e primeira do XX, eram:
o que vem a ser, e
como e porque vinha funcionando em certos lugares e não em outros.
Schumpeter identificou o capitalismo como uma expressão de inovação,
de luta humana e pura e simples destruição, tudo ao mesmo tempo. Ele
descrevia o capitalismo como a maioria das pessoas o vivencia:
desejos do consumo insuflados pelo constante martelar da propaganda;
violentos solavancos para cima e para baixo na ordem social;
metas alcançadas, destroçadas, revistas e novamente alcançadas, em
infindável processo de tentativa e erro.
Para o capitalismo, e para o próprio Schumpeter, em caráter pessoal, nada
podia ser considerado estável. O alvoroço era frequente.
Schumpeter considerava-se um conservador. Sabia que a destruição
criativa fomenta o crescimento econômico, mas também solapa preciosos valores
humanos. Entendia que a pobreza causa sofrimento, mas também a
prosperidade não garante a paz de espírito.
Uma acentuada elevação do padrão de vida seria, provavelmente, uma
conquista de supremo valor para qualquer sociedade. Mas o capitalismo tem
uma terrível fama de espoliar os pobres em proveito dos ricos, e nunca foi
capaz de alcançar uma distribuição de riqueza que a maioria pudesse considerar
justa. Para a esquerda representa uma maldição a ser combatida e superada.
Para a direita, é algo indigno que se pode aceitar, mas propriamente celebrar.
Schumpeter investiu imensa energia na análise e explicação da inovação
capitalista. O mecanismo econômico básico do capitalismo, segundo
seu verbete escrito para a Enciclopédia Britânica, não é muito complicado: “Uma
sociedade pode ser considerada capitalista quando confia seu processo
econômico à orientação dos homens de negócio. Pode-se considerar que isto
implica:
em primeiro lugar, a propriedade privada dos meios de produção
[…]
em segundo, a produção para o lucro privado, ou seja, a produção
pela iniciativa particular em proveito privado”.
Ele acrescentava um terceiro elemento, “tão essencial para o
funcionamento do sistema capitalista quanto os outros dois”, a criação do
crédito.
No cerne do seu ethos, o capitalismo está sempre olhando para a
frente e se escora no crédito para lançar novos empreendimentos.
Derivado da palavra latina credo – “Eu creio” -, o crédito
representa uma aposta em futuro melhor. Os empreendedores e os
consumidores que fazem essa aposta frequentemente pouco se importam com o
passado e não têm muita paciência como o presente. Empreendem projetos
inovadores e fazem compras que requerem recursos muito maiores do que os
disponíveis. A alavancagem financeira da rentabilidade patrimonial é o
segredo do negócio capitalista!
O empreendedor, independentemente do porte da empresa em que
atua, é o agente da inovação e da destruição criativa. Seus projetos
produzem empregos, elevam rendas e resultam em progresso econômico geral. Ao
liberar suas energias criativas, todavia, os empreendedores passam por cima dos
antigos, destruindo suas fortunas. Mais cedo ou mais tarde, a maioria dos
negócios fracassará, às vezes prejudicando comunidades inteiras, além dos
indivíduos.
O capitalismo reduz as relações humanas a grosseiros cálculos pessoais
de custo e benefício. Coloca os valores materiais acima dos espirituais,
danifica o meio ambiente e mobiliza os aspectos mais sórdidos da natureza
humana. Os negócios podem transformar tudo em objeto de lucro, incluindo os
sete pecados capitais, com a possível exceção da preguiça. Porém, o
capitalismo torna-se o equivalente econômico da famosa definição da democracia
por Churchill: o pior sistema possível à parte todos os demais. Apesar
de seus defeitos, só capitalismo tem sido capaz de fomentar as inovações
científicas e as técnicas medicinais necessárias para elevar a humanidade acima
do estado natural de vida animalesca e curta.
Dois dentre os maiores pensadores, Adam Smith e Karl Marx, chegaram a
conclusões opostas. Smith (1723-1790) considerava a economia de
mercado como um sistema quase ideal, ao passo que Marx (1818-1883) a
condenava como uma pausa desagradável no inevitável caminho para o
socialismo. Schumpeter, tendo vivido em época (1883-1950) em época
que pode estudar o capitalismo em sua plena maturidade, superou os dois
precursores mais famosos na sofisticação de suas análises.
O capitalismo pode assumir formas muito diversas em ambientes
diferentes. Podendo ser considerado não só um sistema econômico, mas também
social e cultural, o capitalismo pode funcionar tanto para finalidades boas
quanto ruins. Pode ser moral, imoral ou – na maioria das
vezes – amoral. Tudo depende do contexto, ou seja, da capacidade
de determinado grupo ou Nação maximizar os componentes criativos e,
simultaneamente, atenuar os efeitos colaterais do processo destrutivo.
Na geração de Schumpeter, muita gente liberal se formou com uma
visão excessivamente otimista do capitalismo. Mas, na primeira metade do século
XX, as guerras, as hiperinflações, as depressões, o totalitarismo e o genocídio
serviram, para a esquerda, como confirmação do fracasso dos mercados e
da superioridade do socialismo. Schumpeter observava a luta mortal dos
sistemas econômicos e ideologias políticas pela supremacia. Via famílias e
comunidades oscilarem constantemente entre a riqueza e a pobreza. Não tinha
ilusões sobre o capitalismo, mas tampouco duvidava de seu próprio veredito:
nesse sistema, a geração de riqueza econômica melhorava a vida do indivíduo
comum de tal maneira que superava os efeitos negativos de longe.
No momento de maré alta do sentimento capitalista, Schumpeter
defendeu que o processo capitalista eleva, progressivamente, o padrão de vida
das massas. Mas o capitalismo não é o estado natural da vida humana. Se
fosse, teria surgido muito antes na história e hoje prevaleceria praticamente
em todo lugar. Trata-se de um sistema construído e mantido com dificuldade
impar. O capitalismo moderno precisa ser ativamente cuidado e regulado, com
sofisticação e determinação.
Schumpeter acreditava que o mundo só poderia beneficiar-se plenamente do
capitalismo se as pessoas entendessem como ele funciona. Este é um dos
motivos pelos quais passou tanto tempo tentando apreendê-lo e explicá-lo.
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