Doutor pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e professor
do Instituto de Matemática da UFRGS, no dia 12/agosto/2014, o país foi dormir com uma
notícia diferente: um brasileiro, o jovem carioca Artur Ávila
Cordeiro de Melo (29/06/1979), havia sido agraciado com um
importantíssimo prêmio, a Medalha Fields. No Congresso Internacional de Matemáticos
realizado a cada quatro anos, exatamente como as copas do mundo (mas há mais
tempo), Artur recebeu das mãos da presidente da Coreia do Sul, país que está
sediando esta edição do evento, a premiação que significa o reconhecimento da
comunidade matemática mundial pela excelência do seu trabalho de pesquisa. Não
temos nenhum ganhador do prêmio Nobel, ainda não ganhamos copa do mundo em casa
(e é melhor nem lembrar da última...) mas fomos dormir com a certeza de que
temos um matemático na lista dos mais brilhantes jovens da atualidade. Mas
afinal, o que é a Medalha Fields? E o que fez Artur para merecê-la?
Matemático Artur Ávila - Um brasilerio no topo do mundo |
A medalha tem uma história de quase 80 anos. Proposta pelo matemático
canadense John Charles Fields no final dos anos 1920, ela deveria ser um prêmio
para jovens, que reconhecesse o enorme talento já demonstrado e estimulasse
novas realizações de vulto. A medalha tem um nome oficial mais pomposo, mas com
a morte de Fields em 1932 o prêmio, concedido pela primeira vez em 1936, acabou
ficando conhecido pelo seu nome. A medalha é atribuída para pessoas com no
máximo 40 anos de idade, podendo ser distribuída para um número que varia entre
duas e quatro pessoas. Em 1936, foram premiados dois matemáticos; com a guerra,
os congressos internacionais foram interrompidos e retomados apenas em 1950,
quando novamente foram premiados dois matemáticos. Desde então, o ritmo tem
sido esse: a cada quatro anos há um grande congresso e neles são anunciados os
ganhadores, escolhidos por um comitê de alto nível composto de matemáticos de
diversas nacionalidades. A cidade da vez é Seul, na Coreia do Sul, na qual
foram concedidas quatro medalhas: além de Artur, foram agraciados Manjul
Bhargava, Martin Hairer e a iraniana Maryam Mirzakhani, primeira mulher a
receber a honraria. Em 2018, conforme decidido na última segunda-feira, o
evento abrirá suas portas na cidade do Rio de Janeiro.
E o que faz Artur? Ele é um especialista numa área na
qual o Brasil já tem uma comunidade bem estabelecida, fruto do trabalho de
grandes pioneiros como Mauricio Peixoto e Jacob Palis, conhecida como sistemas
dinâmicos.
Sistemas dinâmicos são estruturas que se modificam no
tempo: uma bola de futebol durante uma partida, uma mosca que voa, o aspecto da
atmosfera, com mais ou menos nuvens, chuva, sol ou granizo... Todos esses são
pequenos exemplos do cotidiano que envolvem sistemas que mudam com o passar dos
segundos, no caso da mosca, dos dias, no caso da atmosfera. O grande problema é
tentar ter algum tipo de previsibilidade, ou seja, se conhecemos o aspecto do
céu hoje, como saber se em uma semana teremos um domingo de sol ou um final de
semana chuvoso?
Um meteorologista sabe transformar a evolução da
situação da atmosfera em uma equação; um físico também sabe descrever o
movimento da bola por meio de equações da mecânica, e não é impossível que um
biólogo bastante dedicado também consiga traduzir a complexidade do voo de uma
mosca em alguma regra bem concreta. E o que faz um especialista em sistemas
dinâmicos, como Artur? Bem, ele em geral não resolve essas equações;
também não costuma se preocupar com a origem das mesmas, se provêm de uma mosca
ou de uma bola de futebol. Baseando-se em sua estrutura matemática, ele tenta
compreender qual será o aspecto futuro produzido pela evolução de um
determinado sistema.
E isso nem sempre é simples, pois diversas equações
têm um comportamento em geral conhecido como caótico: são sistemas que
apresentam enorme sensibilidade com relação às condições iniciais. Ou seja, se
tentamos fazer uma previsão de longo prazo (por exemplo, querendo saber
exatamente qual será o clima dentro de seis meses ou, ainda pior, dentro de
seis anos) faz uma enorme diferença se usamos a temperatura de Porto Alegre
como sendo 12ºC ou se refazemos a previsão determinando que a mesma temperatura
é agora de 12,001 ºC. No primeiro caso, podemos descobrir que seis meses depois
teremos um belo dia de sol com temperaturas de 35ºC e no segundo, um dia
chuvoso e morno, dois resultados muito distintos.
Artur trabalha exatamente com sistemas dinâmicos
caóticos. Defendeu sua tese de doutorado, orientada pelo pesquisador Welington
de Melo, em 2001 no IMPA, Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada,
instituição de pesquisa que existe desde 1952 no Rio de Janeiro e que é uma
referência na matemática brasileira. Lá Artur chegou no início de 1996 para
começar o seu mestrado. Ele ainda era um sujeito de 16 anos, no último ano da
escola. Cinco anos depois, já era um matemático respeitado e que alternava
temporadas no IMPA com visitas a diversos institutos de pesquisa na Europa,
sobretudo Paris, e nos Estados Unidos. Trabalhando com sistemas caóticos, ele
estava ajudando a compreender de maneira definitiva alguns problemas que já se
arrastavam por quase 30 anos. Não parou mais, foi diversificando o alcance do
que fazia, ampliando seus horizontes e dando novas contribuições fundamentais
em diversas subáreas da dinâmica. Seus resultados são profundos, frutos de uma
intuição impressionante e de um enorme arsenal de técnicas que usa para colocar
de pé seus castelos teóricos.
Gênio isolado? Longe disso, Artur gosta de conversa: a
grande maioria de seus trabalhos é feita em colaboração com outras pessoas e
isso foi destacado no texto oficial que acompanhou sua premiação. Ele sabe
muito bem combinar seus talentos com os de outros para disso extrair o máximo
de matemática. Ele tem agora 35 anos e já galgou esse altíssimo degrau na
escala do reconhecimento profissional, algo até então inédito na ciência
brasileira; aliás, na matemática latinoamericana.
Ótimo exemplo do espírito original da Medalha Fields,
ele é bem jovem e ainda terá outras grandes contribuições a fazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário