Por muitos e muitos
anos, o sistema de avaliação na educação brasileira se estruturou sobre a
lógica de uma aritmética exata que respondia ao entendimento que se tinha de
como a escola deveria se organizar e o que nela se fazia. O ano escolar era
dividido em bimestres, os períodos em aulas com a mesma duração, as salas com
crianças com a mesma idade. Durante esses períodos o aluno recebia um enorme
volume de conteúdo em que seria avaliado ao final de um período de formação
(mês ou bimestre). Ao final de cada período, somavam-se e dividiam-se os
resultados obtidos em duas ou três provas para chegar à nota do bimestre, nota
essa que na grande maioria das vezes estava longe de expressar o real
aproveitamento dos conteúdos trabalhados no período. Bastava ter aprendido
muito bem um dos diversos temas do período e ter a sorte de ser exatamente esse
o conteúdo em maior quantidade na prova que tudo seguia bem na vida escolar
daquele aluno. Esse modelo de avaliação geralmente está baseado numa concepção
de educação que não atende mais os anseios da sociedade e dos tempos que
vivemos.
Quando vemos o
desempenho do Brasil em testes como o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (PISA), principal avaliação internacional da educação básica,
percebemos que há muito por ser feito em relação à qualidade de nossos
processos educacionais. No último PISA, divulgado no final de 2013, o Brasil
ficou em 58º lugar entre os 65 países participantes. É claro que a carga
horária dos estudantes dos países mais bem colocados é significativamente maior
do que a dos brasileiros. Contudo, tem um dado relevante que essas pesquisas
têm apontado ano após ano: os nossos alunos não conseguem responder perguntas
que exigem maior interpretação. Esse problema está muito ligado ao modo como
ensinamos os nossos alunos e não ao tempo de permanência. Escolarizamos a
cultura, as coisas do mundo, apresentando perguntas e respostas sabidas de
antemão, cabendo a um, a exposição, ao outro, a passividade. Isso tem a ver com
a avaliação.
Olhar para a avaliação
e entendê-la como um meio para promover uma educação que realmente favoreça o
pensar é certamente um dos caminhos para termos no Brasil uma escola voltada ao
propósito de uma educação de qualidade, que realmente desenvolva no aluno as
habilidades essenciais para a completa participação nas sociedades modernas.
Nesse sentido, a avaliação deve estar a serviço das aprendizagens e não
reduzida a um balanço no final de um bimestre ou final de ano.
Nessa perspectiva,
avaliar acompanha o processo de ensino-aprendizagem o tempo todo. Avaliar deixa
de ser entendido somente como “dar uma nota” a uma produção do aluno (tarefa,
trabalho, prova), mas como um juízo de valor, uma apreciação das
atividades realizadas por eles. Essa apreciação sempre deverá vir acompanhada
de novos desafios, de novas mediações, a fim de que os estudantes possam
corrigir seus equívocos (o que é inerente às aprendizagens) ao longo do
processo (e não somente no final do mês) ou avançar em suas aprendizagens:
ampliando a compreensão, promovendo novos nexos, problematizando as situações,
construindo novos questionamentos. É um constante ir e vir sob o olhar atento
de um professor que promove novas mediações a partir de sua apreciação.
Uma avaliação que
promova verdadeiramente aprendizagem traz, em si mesma, diferentes maneiras de
ensinar. Como o acompanhamento é contínuo, o feedback dado aos alunos
passa a ser constante, evitando que os erros se acumulem. É uma avaliação que
considera, por meio da sua mediação, uma diversidade de modos de aprender.
O que torna uma
avaliação em processo não é a redação presente no Regimento Escolar, mas como
ela é implementada em sala de aula. Às vezes usamos boa parte do tempo pensando
na “melhor” fórmula matemática a ser usada na avaliação quando deveríamos
pensar em como promover intensa e extensivamente as aprendizagens. Somamos,
multiplicamos e dividimos conhecimentos distintos com a pretensa intenção de
comunicar as aprendizagens realizadas. Quando a matemática é a maior
responsável pela “produção” da nota e não o repertório metodológico e a
qualidade do instrumento de avaliação, certamente descaracterizamos o próprio
processo formativo.
Na medida em que vamos
promovendo uma relação de inteligibilidade do conhecimento, por meio de um
processo avaliativo que promova o pensamento, a dúvida, novos questionamentos e
soluções, o medo do novo, a passividade e a reprodução, vão deixando de ter
sentido, dando lugar a novas relações com o saber, nasce a invenção. A “nota”
de um aluno obtida num contexto mais rico em possibilidades de aprendizagens
tem maior qualidade do que num contexto em que o conhecimento é memorizado
literalmente.
Repensemos a égide sob
a qual autorizamos uma pedagogia hegemônica, que insiste em reduzir a
complexidade da vida, escolarizando o mundo, criando modos de ser sujeito,
muito contrário ao modo de como a vida se manifesta. Há uma relação intensa
entre qualidade educacional e avaliação que se põe a serviço das aprendizagens.
Modos de avaliar “determinam” modos de aprender. As crianças não são aquilo que
elas fazem nas salas de aula, mas o que os nossos métodos de ensino as
submetem.
Vivemos em um tempo em
que as novas tecnologias favorecem a realização da docência com maior elegância
pedagógica, possibilitando-nos atender a diversidade de ritmos de
aprendizagens de modo personalizado.
Autor: Flávio Antônio Sandi é diretor educacional da Rede de
Colégios do Grupo Marista.
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